quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

ANDORRA: O PRINCIPADO ESQUECIDO



Você conhece um principado que há sete séculos vive em paz, resguardado dos conflitos que não têm cessado de ensangüentar a terra? Uma nação que soube conservar suas tradições ancestrais, abrindo-se largamente para o progresso moderno? Ela ocupa um modesto território de 468 Km2 no coração da Europa, entre a França e a Espanha, aninhada no seio da cordilheira dos Pireneus. Você adivinhou: trata-se dos Vales de Andorra — les Valls d’Andorra, para empregar o catalão, idioma oficial do país.

Convenhamos que na imprensa internacional é assunto mais freqüente Mônaco ou Liechtenstein, do que esse curioso principado montanhês, desconhecido e injustamente esquecido. Porém, a cada verão milhares de turistas apressados atravessam as fronteiras andorranas para comprar, livres de imposto, bebidas alcoólicas ou aparelhos eletrônicos. Mas, sem dúvida, quase não têm tempo de estudar as suas instituições nascidas na Idade Média, e que sobreviveram quase inalteradas até nossos dias.

Certos autores, desorientados pela originalidade de seu sistema político, têm falado de "República de Andorra". Mesmo sendo muito democrático o funcionamento do Estado, Andorra é bem um principado, ou, para ser mais preciso, um "co-principado". Com efeito, dois "co-príncipes" de igual dignidade exercem uma soberania consagrada pela História. Um deles é D. João Marti Alanis, Bispo de Urgell. O outro é o presidente da França.

Mas como se chegou a essa situação singular? Isso merece certamente uma explicação. Uma legenda dourada conta que o próprio Carlos Magno concedeu a liberdade aos andorranos, para os recompensar por haverem ajudado a combater os mouros da Espanha. O hino nacional proclama ufanamente essa filiação imperial, ao menos hipotética: "El gran Carlemany, mon pare, dels alarbs me desllivrà" — O grande Carlos Magno, meu pai, dos árabes me livrou. Historicamente, é a partir do século IX que os bispos de Urgell estendem pouco a pouco sua autoridade temporal sobre as seis paróquias que formam o território do atual principado. A 8 de janeiro de 1176, os andorranos assinaram uma concordata com o bispo Bernardo Sanc e o reconheceram por seu suserano.

Incapaz de assumir sozinha a proteção de seus súditos, a igreja de Urgell cedeu Andorra em feudo aos condes de Caboet. Por casamento, os direitos destes passaram à casa de Castelbó. Em 1208, Roger-Bernard II de Foix desposava a última herdeira dos Castelbó. Abria-se então um período sombrio de lutas cruentas, opondo os bispos de Urgell a seus poderosos vassalos, os condes de Foix. A 8 de setembro de 1278, consciente de sua debilidade militar, o bispo Pere d’Urtx concluía um primeiro "paréage" (igualdade de direitos e de posse, que dois senhores têm por indivisíveis em uma mesma terra) com seu adversário Roger-Bernard III. Este acordo de circunstância, delimitando as jurisdições respectivas dos bispos de Urgell e dos condes de Foix, deveria ter uma espantosa longevidade. Junto com o segundo "paréage", de 1288, constitui ainda hoje as bases da independência e da especificidade dos vales andorranos.

Se os bispos de Urgell conservaram suas prerrogativas até o presente, os condes de Foix cederam as deles, em conseqüência de alianças matrimoniais, aos soberanos da Navarra. Em 1589, quando Henrique III da Navarra tornou-se Henrique IV da França, uniu à Coroa seu co-senhorio pirenaico. É assim que nossos atuais presidentes da república, na qualidade de continuadores (sic!) da monarquia e remotos sucessores (sic!) dos condes de Foix, levam o título de co-príncipes de Andorra. No decurso dos séculos, à sombra protetora de seus dois soberanos, de seus "dois valentes tutores", uma nação iria nascer e desenvolver suas liberdades. Mas, no conjunto, são as cartas do século XIII que definem sempre o funcionamento dos poderes públicos.

Os co-príncipes são representados nos vales, respectivamente, por um viguier" (delegado da autoridade) episcopal e um "viguier" francês, os quais exercem funções judiciárias. Ademais, dois delegados permanentes — um tendo sede em Urgell, o outro sendo o prefeito de Perpignan — têm poderes legislativos e desempenham uma função de recursos. Cada "viguier" escolhe dois "bayles" (bailios) ou juízes de primeira instância. Para as apelações existe um juiz das apelações, nomeado por um dos co-príncipes alternativamente. Outras jurisdições em matéria cível e criminal, regidas pelo costume, aumentam ainda o emaranhado de competências, que não deixa de fazer lembrar a complexidade do nosso Ancien Régime.

Instância suprema do país, o Conselho Geral dos Vales é eleito por sufrágio universal por quatro anos, e é composto de vinte e oito conselheiros. Estes designam um síndico e um sub-síndico, que podem ser quaisquer andorranos, mesmo não-membros do Conselho. Esse parlamento faz as leis, recebe e distribui os impostos indiretos... porque não há impostos diretos. Por outro lado, a reforma de 1981 instituiu um chefe de governo e um ministério. Cada ano o síndico geral, em grande gala, leva a um dos co-príncipes em alternância o tributo feudal da questia. Isto é, para o bispo de Urgell uma soma de 460 pesetas, e para o presidente da república francesa, 960 francos, aos quais se juntam rendimentos em espécie: doze queijos, doze capões, doze perdizes e seis presuntos...

Seria talvez demasiado fácil debicar dessas tradições democráticas desusadas. Não acompanharam elas o desenvolvimento pacífico dos Vales de Andorra, enquanto outras nações provavam os frutos envenenados da violência e da opressão? Fiéis a seus co-príncipes, os andorranos permaneceram também fiéis à Fé de seus antepassados. Sua festa nacional não comemora nenhum feito de armas, nenhum acontecimento revolucionário, mas celebra a coroação da Virgem de Meritxell, padroeira do país. Na manhã de 8 de setembro de cada ano, o Muito Ilustre Senhor Síndico, o sub-síndico e os conselheiros gerais; o Muito Ilustre Chefe de Governo; os honoráveis cônsules de paróquias e os conselheiros de comunas vão em peregrinação ao santuário marial. Assim vive Andorra, "a única filha do imperador Carlos Magno, crente e livre".

(Philippe Delorme, "Point de Vue", nº 2148, 29 de setembro de 1989, pp. 40-41)